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domingo, 22 de agosto de 2010
Rádios comunitárias protestam contra perseguição em Campinas
Ato público na frente à Rede Bandeirantes de Televisão mostra a diferença no tratamento dado às grandes emissoras que operam com outorga vencida há anos, enquanto centenas de rádios comunitárias são fechadas e comunicadores são presos em todo País
Por Débora Prado
Representantes das rádios comunitárias, trabalhadores da comunicação e de movimentos sociais realizaram um ato público na porta da Rede Bandeirantes de Televisão, em Campinas, para protestar contra a perseguição da Anatel e da Polícia Federal aos comunicadores comunitários da região. Promovido pela regional paulista da Abraço (Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária) e apoiado por diversas entidades, o ato durou cerca de 3 horas e chegou a reunir aproximadamente 200 pessoas na tarde da quinta-feira, dia 19 de agosto.
Com um carro de som estacionado em frente ao portão principal da emissora, os manifestantes pediam que a fiscalização sobre a Bandeirantes fosse tão pesada quanto a realizada sobre as rádios comunitárias. “A rádio Bandeirantes é a verdadeira pirata desse País, está com a outorga vencida há anos e ninguém faz nada, enquanto, somente nesse ano, foram fechadas 125 rádios comunitárias. Por que a polícia não vem aqui e prende o Rodrigo Neves [diretor geral da Band Campinas] como faz com a gente?”, declarou Jerry de Oliveira, Coordenador Sudeste da Abraço.
A reivindicação era para que a polícia exigisse que a Band apresentasse sua licença para estar operando ali com vários meios de comunicação - Band, Educadora, Rádio Bandeirantes AM, Band News e Nativa. Além disso, os manifestantes pediam que a emissora abrisse espaço em sua programação para que o movimento pudesse ler suas reivindicações no ar, como um direito de resposta a uma propaganda veiculada pela rádio afirmando que o sinal das redes comunitárias poderia derrubar aviões.
Além da outorga vencida, a escolha da emissora foi representativa, pois a Band acompanhou a polícia no fechamento da Rádio Comunitária Nova Estação, quando seis representantes regionais da Abraço foram presos e os equipamentos detidos. Jerry relata ainda que uma matéria veiculada pela EPTV caluniava os seis comunicadores, afirmando que eles eram ligados ao crime organizado. A maior parte deles esteve presente no ato nesta quinta-feira. “Ninguém aqui é bandido não, o único delito que cometeram foi o de deixar o povo falar”, disse Jerry ao apresentá-los na porta da emissora.
A policia militar e civil acompanhou o ato, e alguns investigadores garantiram que haviam pedido a apresentação da outorga para a Band, que supostamente estava trazendo os documentos de São Paulo para a Delegacia de Investigações Gerais (DIG). No fim do ato, uma comissão representante dos movimentos sociais foi até DIG e depois, seguindo orientações da polícia, ao 5º Distrito Policial (DP) para acompanhar a apresentação dos documentos, mas nenhum representante da rede apareceu enquanto a comissão permaneceu nos locais. Para o advogado Alexandre Mandel, que auxiliou a Abraço, “o tratamento diferenciado” mostrou a “contradição política” na hora de se aplicar a lei.
A emissora tampouco abriu espaço para a leitura da carta aberta. Os portões fechados com cadeados levados pelos ativistas durante toda a tarde – o que impediu, inclusive, que os carros de reportagem da própria Band retornassem ao prédio.
Além de reivindicar a descriminalização das rádios comunitárias e de seus comunicadores, o ato reforçava o pedido pela democratização da comunicação no Brasil, e exigia ainda uma investigação sobre abuso de poder no fechamento das emissoras pequenas. Cirineu Fedriz, radialista comunitário que ficou 11 dias preso na região de Bauru, reiterou que “a comunicação é do povo e nós não podemos mais suportar atitudes como esta”.
Criminalização
De acordo com a carta aberta distribuída pela Abraço, cerca de 20 mil comunicadores de rádios pequenas estão sendo processados ou foram condenados “por querer exercer sua liberdade de expressão e seu direito à comunicação”. O documento afirma ainda que “a legislação e a burocracia colocam as rádios comunitárias na marginalidade”. Além das dificuldades para obter a licença, quando legalizada, a rádio comunitária só pode operar com freqüência por localidade e com um limite de 1 km de raio. “Por outro lado, a maior parte das rádios e TVs comerciais de Campinas operam com as outorgas vencidas e ninguém faz nada, mostrando que a lei está a serviço dos oligopólios”, contesta Jerry, complementando: “Essa papo de que as rádios comunitárias derrubam aviões é uma mentira. Queremos sim é derrubar os tubarões da mídia e a Band vai ser o primeiro”.
As rádios comunitárias são importantes instrumentos de valorização das lutas sociais e cultura local e, por isso, diversos atores do movimento pela democratização das comunicações participaram do ato em Campinas declarando seu apoio a Abraço.
Para João Brant, do coletivo Intervozes, “a situação da comunicação no Brasil representa a velha máxima: aos amigos tudo, aos inimigos a lei”. No ato, ele informou que hoje há mais de 20 mil processos de pedidos de concessão estão esperando um parecer do Ministério das Comunicações, “enquanto a maior parte do espectro que permite a radiodifusão vai para as emissoras comerciais”.
O sindicato dos radialistas de São Paulo levou um ônibus da capital para o ato. No carro de som José Marcos de Souza, um dos diretores da entidade, afirmou ainda que “a Band é uma das piores empresas para os trabalhadores”, complementando: “Os grandes meios exploram os funcionários e criminalizam os movimentos sociais, eles atacam qualquer organização social que queira uma sociedade mais justa, só pensam no seu lucro. O controle social é necessário”.
Algumas rádios que conseguiram licença também estiveram presentes, como a Heliópolis e a Cantareira. Representantes de sindicatos, movimentos sociais como o MST, MTST, Fábrica Ocupada Flaskô, e a Frente Paulista pelo Direito a Comunicação também participaram. A manifestação recebeu mensagens de apoio ainda da deputada Luiza Erundina (PSB) e o deputado Ivan Valente (PSOL), além de militantes do PT, PSOL e PSTU, que estiveram presentes.
Confira as reivindicações do ato público em Campinas:
· Anistia para todos os radiodifusores condenados e processados pelos agentes de repressão do estado brasileiro, com o arquivamento de todos os processos e a devolução de todos os equipamentos apreendidos;
· Descriminalização da radiodifusão comunitária sem licença;
· Punição imediata de todos os agentes Federais e das polícia civil e federal que cometeram abuso policial nas operações de fechamento e lacres de emissoras comunitárias;
· Abertura de aviso de habilitação e abertura de mais canais para as cidades da região metropolitana de Campinas.
· Agilização na tramitação do projeto de lei que modifica a lei 9.612/98, com as correções apontadas pelos movimentos sociais;
· Investigação do Ministério Público Federal na Secretaria de relações parlamentares, para investigar o uso político no atendimento de pleitos de parlamentares no processo de indicação de localidades e de processos de radiodifusão comunitária;
· Realização de audiência pública na Comissão de Direitos Humanos da Assembléia legislativa de São Paulo, para apurar a relação da empresa Dentel telecom e policiais civis no fechamento de 125 emissoras no estado de São Paulo;